Em uma noite de sexta feira, quatro crianças
saem em busca de sua mãe. Uma carta em mãos e a outra segurando a mão da irmã
menor, Cícera, Lúcio, de 12 anos parece um pequeno ponto na escuridão daquela
noite.
Não era uma noite qualquer para quem morava
rodeado de lendas.
O que separava a casa de Lúcio de seu destino
eram alguns quilômetros de estrada de terra margeada por pingados de casas e
árvores. Poucos postes iluminavam pequenos pedaços da estrada e no céu um
grande globo alaranjado brilhava, era a lua cheia: uma sexta feira de lua
cheia.
Pouco antes das 21h, Lúcio, preocupado com a
demora da mãe e com a urgência de lhe entregar a carta, anda de um lado para o
outro da sala, sentindo seus pés afundar no piso de barro batido. Já era quase
a hora de a lenda surgir nas ruas, hora de as portas serem fechadas, as luzes
de lamparinas serem apagadas e os pequenos estarem na cama silentes.
Não havia um meio de transporte para Lúcio
não ser seus pés e pernas. Dividia-se agora em deixar as crianças dormindo e
sair em busca da mãe e levar a todas na sua breve jornada, chegando talvez ao
destino antes de a lenda aparecer e, quem sabe, dormir lá mesmo. Sua mãe não
apontava ainda.
Depois de quase afundar até o tornozelo no
piso da sala, agasalha seus irmãos menores, toma a carta, fecha a porta e sai.
Todos estavam temerosos. Se não fosse aquela luz redonda no céu, tudo estaria
um breu.
Poucos passos à frente os menores começam a
chorar. Lúcio percebe que elas lhe atrasariam os passos. Volta para casa,
põem-nas para dormir, levanta, tranca a porta da forma mais segura possível e
sai. Um passo após o outro e seu coração apressando as batidas. Não sabia se
contava seus passos trôpegos ou as palpitações de seu coração.
Quantas casas já tinham passado não sabia,
mas o caminho se tornava mais longo a cada quilometro. O silêncio era quebrado
vez ou outra por um pio de coruja e isso lhe trazia pavor. Olhos o seguem.
Seu pensamento agora se dividia entre seus
irmãos que estavam em casa, sua mãe que não voltava e seu novo companheiro: o
medo. Só havia um caminho para ir e vir, não tinha atalhos.
Mais dois quilômetros passados, estava Lúcio
com seus pés empoeirados e as casas tinham ficado para trás na estrada. As
árvores escassas também eram filetes em sombras ao olhar o caminho percorrido.
Havia somente o céu, milharal de um lado e milharal do outro. A lua se
camuflava entre uma nuvem e outra. Somente um quilômetro faltava e Lúcio
apressa seus passos calculando que já deve passar das 22h, a lenda já estaria
pelas ruas, entre uma árvore e outra, espreitando; e isso aumenta seus
batimentos cardíacos... tUm TuM tUM TUM. Completando a cena daquela noite de
sexta feira, o vento assovia no milharal e um sopro gélido enrijece a espinha.
Tenta caminhar mais rápido, mas já está tão rápido que chega a tropeçar em seus
próprios pés.
O vento continua cantando no milharal e
remexe as palhas jogadas entre um canteiro e outro. Lúcio move-se para a
esquerda, olha o pequeno trecho que ainda falta, falta tão pouco! Então olha
para a direita. Seu coração gela, seus pulmões se contraem e em uma fração se
segundos é tomado por um terror que lhe faz desfalecer as pernas e o impulsiona
ao mesmo tempo: do meio do milharal dois olhos vermelhos lhe observa,
acompanhando seus movimentos e uma massa corpulenta e escura se move em sua
direção. Lúcio corre. Não sente seus pés tocar o chão. Tão perto, tão perto...
um grito! Tudo fica escuro. TUM, TUM, Tum, Tum...
Lúcio abre os olhos, ainda trôpego... Abre-se
a porta, sua mãe entra. O relógio da sala marca 22h. Ela fecha a porta. Lúcio
abraça sua mãe e respira fundo, e dorme junto com seus irmãos.
JLS
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