domingo, 24 de março de 2013

SUSPENSE: UM CONTO DE SEXTA FEIRA - oficina de escrita criativa



Em uma noite de sexta feira, quatro crianças saem em busca de sua mãe. Uma carta em mãos e a outra segurando a mão da irmã menor, Cícera, Lúcio, de 12 anos parece um pequeno ponto na escuridão daquela noite.
Não era uma noite qualquer para quem morava rodeado de lendas.
O que separava a casa de Lúcio de seu destino eram alguns quilômetros de estrada de terra margeada por pingados de casas e árvores. Poucos postes iluminavam pequenos pedaços da estrada e no céu um grande globo alaranjado brilhava, era a lua cheia: uma sexta feira de lua cheia.
Pouco antes das 21h, Lúcio, preocupado com a demora da mãe e com a urgência de lhe entregar a carta, anda de um lado para o outro da sala, sentindo seus pés afundar no piso de barro batido. Já era quase a hora de a lenda surgir nas ruas, hora de as portas serem fechadas, as luzes de lamparinas serem apagadas e os pequenos estarem na cama silentes.
Não havia um meio de transporte para Lúcio não ser seus pés e pernas. Dividia-se agora em deixar as crianças dormindo e sair em busca da mãe e levar a todas na sua breve jornada, chegando talvez ao destino antes de a lenda aparecer e, quem sabe, dormir lá mesmo. Sua mãe não apontava ainda.
Depois de quase afundar até o tornozelo no piso da sala, agasalha seus irmãos menores, toma a carta, fecha a porta e sai. Todos estavam temerosos. Se não fosse aquela luz redonda no céu, tudo estaria um breu.
Poucos passos à frente os menores começam a chorar. Lúcio percebe que elas lhe atrasariam os passos. Volta para casa, põem-nas para dormir, levanta, tranca a porta da forma mais segura possível e sai. Um passo após o outro e seu coração apressando as batidas. Não sabia se contava seus passos trôpegos ou as palpitações de seu coração.
Quantas casas já tinham passado não sabia, mas o caminho se tornava mais longo a cada quilometro. O silêncio era quebrado vez ou outra por um pio de coruja e isso lhe trazia pavor. Olhos o seguem.
Seu pensamento agora se dividia entre seus irmãos que estavam em casa, sua mãe que não voltava e seu novo companheiro: o medo. Só havia um caminho para ir e vir, não tinha atalhos.
Mais dois quilômetros passados, estava Lúcio com seus pés empoeirados e as casas tinham ficado para trás na estrada. As árvores escassas também eram filetes em sombras ao olhar o caminho percorrido. Havia somente o céu, milharal de um lado e milharal do outro. A lua se camuflava entre uma nuvem e outra. Somente um quilômetro faltava e Lúcio apressa seus passos calculando que já deve passar das 22h, a lenda já estaria pelas ruas, entre uma árvore e outra, espreitando; e isso aumenta seus batimentos cardíacos... tUm TuM tUM TUM. Completando a cena daquela noite de sexta feira, o vento assovia no milharal e um sopro gélido enrijece a espinha. Tenta caminhar mais rápido, mas já está tão rápido que chega a tropeçar em seus próprios pés.
O vento continua cantando no milharal e remexe as palhas jogadas entre um canteiro e outro. Lúcio move-se para a esquerda, olha o pequeno trecho que ainda falta, falta tão pouco! Então olha para a direita. Seu coração gela, seus pulmões se contraem e em uma fração se segundos é tomado por um terror que lhe faz desfalecer as pernas e o impulsiona ao mesmo tempo: do meio do milharal dois olhos vermelhos lhe observa, acompanhando seus movimentos e uma massa corpulenta e escura se move em sua direção. Lúcio corre. Não sente seus pés tocar o chão. Tão perto, tão perto... um grito! Tudo fica escuro. TUM, TUM, Tum, Tum...
Lúcio abre os olhos, ainda trôpego... Abre-se a porta, sua mãe entra. O relógio da sala marca 22h. Ela fecha a porta. Lúcio abraça sua mãe e respira fundo, e dorme junto com seus irmãos.

JLS

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