terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Entre palavras e versos, o Cordel

Quando se fala em Cordel logo me lembro da infância, das páginas que folheei e das histórias que ouvi. É bem assim que a LC entrou na minha vida, mas que vim percebê-la somente há meses atrás. Histórias como Juvenal e o Dragão, Pedro Malazarte,  e tantos outros títulos são ricos em rima, desdobramento do escritor e muita risada.
Lembrando que um texto de humor não se insere apenas no campo do riso, mas que merece um espaço nos estudos acadêmicos, quero trazer aqui um em especial. Trata-se do cordel de Janduhi Dantas, A mulher que vendeu o marido por R$ 1,99. Muito interessante a leitura, pois este cordel se prontifica a apoiar a mulher no seu desejo de utilidade para a sociedade. Uma mulher que toma as rédeas da situação e a resolve. Mulher que muitas vezes é pai e mãe e tantos outros atributos. Vejo-o como um protesto misto: do desejo de ser e de que o outro também seja. 

O cordel A mulher que vendeu o marido por R$ 1,99, de Janduhi Dantas (2005), conta a história de um casal: a mulher, Côca, cansada das atitudes do marido, Damião, que vive bêbado todo o tempo, decide vendê-lo no mercado de Patos, cidade paraibana. Em sua fala faz oferta do seu "produto", o marido, para as outras mulheres que se encontram ali.

"A MULHER QUE VENDEU O MARIDO
POR R$ 1,99"

Autor: Janduhi Dantas
jdantasn@yahoo.com.br

Hoje em dia, meus amigos
os direitos são iguais
tudo o que faz o marmanjo
hoje a mulher também faz
se o homem se abestalhar
a mulher bota pra trás.

Acabou-se aquele tempo
em que a mulher com presteza
se fazia para o homem
artigo de cama e mesa
a mulher se fez mais forte
mantendo a delicadeza.

Não é mais "mulher de Atenas"
nem "Amélia" de ninguém
eu mesmo sempre entendi
que a mulher direito tem
de sempre só ser tratada
por "meu amor" e "meu bem".

Hoje o trabalho de casa
meio a meio é dividido
para ajudar a mulher
homem não faz alarido
quando a mulher lava a louça
quem enxuga é o marido!

Também na sociedade
é outra a situação
a mulher hoje já faz
tudo o que faz o machão
há mulher que até dirige
trem, trator e caminhão.

Esse fato todo mundo
já deu pra assimilar
a mulher hoje já pôde
seu espaço conquistar
quem não concorda com isso
é muito raro encontrar.

Entretanto ainda existe
caso de exploração
o salário da mulher
é de chamar atenção
bem menor que o do homem
fazendo a mesma função.

Também tem cabra safado
que não muda o pensamento
que não respeita a mulher
que não honra o casamento
que a vida de pleibói
não esquece um só momento.

Era assim que Damião
(o ex-marido de Côca)
queria viver: na cana
sem tirar copo da boca
enquanto sua mulher
em casa feito uma louca...

... cuidando de três meninos
lavando roupa e varrendo
feito uma negra-de-ferro
de fome o corpo tremendo
e o marido cachaceiro
pelos botequins bebendo.

Mas diz o velho ditado
que todo mal tem seu fim
e o fim do mal de Côca
um dia chegou enfim
foi quando Côca de estalo
pegou a pensar assim:

"Nessa vida que eu levo
eu não tô vendo futuro
eu me sinto navegando
em mar revolto e escuro
vou remar no meu barquinho
atrás de porto seguro."

"Na próxima raiva que eu tenha
desse meu marido ruim
qualquer mal que me fizer
tomarei como estopim
e a triste casamento
eu vou decidir dar fim."

Estava Côca pensando
na vida quando chegou
Damião morto de bêbado
(nem boa-noite falou
passava da meia-noite)
e na cama se atirou!

Dona Côca foi dormir
muito trise e revoltada
contudo tinha na mente
a sua ação planejada
pra dar novo rumo à vida
já estava preparada.

De manhã Côca acordou
com a braguilha pra trás
deu cinco murros na mesa
e gritou: "Ô Satanás
eu vou te vender na feira
vou já fazer um cartaz!

Pegou uma cartolina
que ela havia escondido
escreveu nervosamente
com a raiva do bandido:
"Por um e noventa e nove
estou vendendo o marido".

Assim mostrou ter no sangue
sangue de Leila Diniz
Pagu, Maria Bonita
de Anayde Beiriz
(de brasileiras de fibra)
de Margarida e Elis!

Pegou o marido bêbado
de jeito, pela abertura
da direção do mercado
ela saiu à procura
de vender o seu marido
ia com muita secura!

Ficou na feira de Patos
no mais horrendo lugar
(na conhecida U.T.I.)
e começou a gritar:
"Tô vendendo o meu marido
quem de vocês quer comprar?"

Umas bêbadas que estavam
estiradas pelo chão
despertaram com os gritos
e uma do cabelão
perguntou a Dona Côca:
"Qual o preço do gatão?"

"É um e noventa e nove
não está vendo o cartaz?"
Dona Côca respondeu
e a bêbada disse: "O rapaz
tem uma cara simpática
acho até que vale mais".

Damião estava "quieto"
e de ressaca passado
com cordas nos pés e braços
numa cadeira amarrado
também tinha um esparadrapo
em sua boca colado.

Começou a chegar gente
se formou a multidão
em volta de Dona Côca
e o marido Damião
quando deu fé, logo, logo
encostou o camburão.

Nisso um cabo da polícia
do camburão foi descendo
e perguntando abusado:
"Que é que tá acontecendo?"
Alguém disse: "Esta mulher
o marido está vendendo".

Do meio do povo disse
um velho em tom de chacota:
"Esse carneiro já tem
uma cara de meiota
não tem mulher que dê nele
de dois reais uma nota".

E, de fato, ô cabra feio
desalinhado e barbudo
fedendo a cana e a cigarro
com um jeito carrancudo
banguelo, um pouco careca
pra completar barrigudo.

Nisso chegou uma velha
que vinha com todo o gás
e disse para si mesma
depois de ler o cartaz
"Hoje eu tiro o prejuízo
com esse lindo rapaz!".

Disse a velha: "Francamente!
Eu estou achando pouco!
Por 1 e 99?!
Tome dois, nem quero o troco!
Deixe-me levar pra casa
esse meu Chico Cuoco!".

Saiu a velha enxerida
de braços com Damião
a polícia prontamente
dispersou a multidão
e Côca tirou por fim
um peso do coração.

Retornou Côca feliz
pra casa entoando hinos
a partir daquele dia
teria novos destinos...
Com os dois reias da venda
comprou de pão pros meninos. FIM


DANTAS, Janduhi. A mulher que vendeu o marido por R$ 1,99, 2005. Disponível em: <http://www.camarabrasileira.com/cordel48.htm>. Acesso em: 01 dez. 2014.

2 comentários:

  1. Minha paixão, Literatura de Cordel, semana passada declamei para os alunos: "A mulher que dançou depois de Morta" uma belíssima experiência! consegui despertar, medo gargalhadas e até lágrimas...Sucesso à você comadre Josy nesta carreira!
    Obs: Conserta a ortografia do título: Ente versos (Entre versos..) Se estiver correto desconsidere minha observação!

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  2. Haha, obrigada, Emildis, e sim, um lapso: esqueci o "R".

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