Quando se fala em Cordel logo me lembro da infância, das páginas que folheei e das histórias que ouvi. É bem assim que a LC entrou na minha vida, mas que vim percebê-la somente há meses atrás. Histórias como Juvenal e o Dragão, Pedro Malazarte, e tantos outros títulos são ricos em rima, desdobramento do escritor e muita risada.
Lembrando que um texto de humor não se insere apenas no campo do riso, mas que merece um espaço nos estudos acadêmicos, quero trazer aqui um em especial. Trata-se do cordel de Janduhi Dantas, A mulher que vendeu o marido por R$ 1,99. Muito interessante a leitura, pois este cordel se prontifica a apoiar a mulher no seu desejo de utilidade para a sociedade. Uma mulher que toma as rédeas da situação e a resolve. Mulher que muitas vezes é pai e mãe e tantos outros atributos. Vejo-o como um protesto misto: do desejo de ser e de que o outro também seja.
O
cordel A mulher que vendeu o marido por
R$ 1,99, de Janduhi Dantas (2005), conta a história de um casal: a mulher,
Côca, cansada das atitudes do marido, Damião, que vive bêbado todo o tempo,
decide vendê-lo no mercado de Patos, cidade paraibana. Em sua fala faz oferta
do seu "produto", o marido, para as outras mulheres que se encontram
ali.
"A MULHER QUE
VENDEU O MARIDO
POR R$ 1,99"
Autor:
Janduhi Dantas
jdantasn@yahoo.com.br
Hoje
em dia, meus amigos
os
direitos são iguais
tudo
o que faz o marmanjo
hoje
a mulher também faz
se
o homem se abestalhar
a
mulher bota pra trás.
Acabou-se
aquele tempo
em
que a mulher com presteza
se
fazia para o homem
artigo
de cama e mesa
a
mulher se fez mais forte
mantendo
a delicadeza.
Não
é mais "mulher de Atenas"
nem
"Amélia" de ninguém
eu
mesmo sempre entendi
que
a mulher direito tem
de
sempre só ser tratada
por
"meu amor" e "meu bem".
Hoje
o trabalho de casa
meio
a meio é dividido
para
ajudar a mulher
homem
não faz alarido
quando
a mulher lava a louça
quem
enxuga é o marido!
Também
na sociedade
é
outra a situação
a
mulher hoje já faz
tudo
o que faz o machão
há
mulher que até dirige
trem,
trator e caminhão.
Esse
fato todo mundo
já
deu pra assimilar
a
mulher hoje já pôde
seu
espaço conquistar
quem
não concorda com isso
é
muito raro encontrar.
Entretanto
ainda existe
caso
de exploração
o
salário da mulher
é
de chamar atenção
bem
menor que o do homem
fazendo
a mesma função.
Também
tem cabra safado
que
não muda o pensamento
que
não respeita a mulher
que
não honra o casamento
que
a vida de pleibói
não
esquece um só momento.
Era
assim que Damião
(o
ex-marido de Côca)
queria
viver: na cana
sem
tirar copo da boca
enquanto
sua mulher
em
casa feito uma louca...
...
cuidando de três meninos
lavando
roupa e varrendo
feito
uma negra-de-ferro
de
fome o corpo tremendo
e
o marido cachaceiro
pelos
botequins bebendo.
Mas
diz o velho ditado
que
todo mal tem seu fim
e
o fim do mal de Côca
um
dia chegou enfim
foi
quando Côca de estalo
pegou
a pensar assim:
"Nessa
vida que eu levo
eu
não tô vendo futuro
eu
me sinto navegando
em
mar revolto e escuro
vou
remar no meu barquinho
atrás
de porto seguro."
"Na
próxima raiva que eu tenha
desse
meu marido ruim
qualquer
mal que me fizer
tomarei
como estopim
e
a triste casamento
eu
vou decidir dar fim."
Estava
Côca pensando
na
vida quando chegou
Damião
morto de bêbado
(nem
boa-noite falou
passava
da meia-noite)
e
na cama se atirou!
Dona
Côca foi dormir
muito
trise e revoltada
contudo
tinha na mente
a
sua ação planejada
pra
dar novo rumo à vida
já
estava preparada.
De
manhã Côca acordou
com
a braguilha pra trás
deu
cinco murros na mesa
e
gritou: "Ô Satanás
eu
vou te vender na feira
vou
já fazer um cartaz!
Pegou
uma cartolina
que
ela havia escondido
escreveu
nervosamente
com
a raiva do bandido:
"Por
um e noventa e nove
estou
vendendo o marido".
Assim
mostrou ter no sangue
sangue
de Leila Diniz
Pagu,
Maria Bonita
de
Anayde Beiriz
(de
brasileiras de fibra)
de
Margarida e Elis!
Pegou
o marido bêbado
de
jeito, pela abertura
da
direção do mercado
ela
saiu à procura
de
vender o seu marido
ia
com muita secura!
Ficou
na feira de Patos
no
mais horrendo lugar
(na
conhecida U.T.I.)
e
começou a gritar:
"Tô
vendendo o meu marido
quem
de vocês quer comprar?"
Umas
bêbadas que estavam
estiradas
pelo chão
despertaram
com os gritos
e
uma do cabelão
perguntou
a Dona Côca:
"Qual
o preço do gatão?"
"É
um e noventa e nove
não
está vendo o cartaz?"
Dona
Côca respondeu
e
a bêbada disse: "O rapaz
tem
uma cara simpática
acho
até que vale mais".
Damião
estava "quieto"
e
de ressaca passado
com
cordas nos pés e braços
numa
cadeira amarrado
também
tinha um esparadrapo
em
sua boca colado.
Começou
a chegar gente
se
formou a multidão
em
volta de Dona Côca
e
o marido Damião
quando
deu fé, logo, logo
encostou
o camburão.
Nisso
um cabo da polícia
do
camburão foi descendo
e
perguntando abusado:
"Que
é que tá acontecendo?"
Alguém
disse: "Esta mulher
o
marido está vendendo".
Do
meio do povo disse
um
velho em tom de chacota:
"Esse
carneiro já tem
uma
cara de meiota
não
tem mulher que dê nele
de
dois reais uma nota".
E,
de fato, ô cabra feio
desalinhado
e barbudo
fedendo
a cana e a cigarro
com
um jeito carrancudo
banguelo,
um pouco careca
pra
completar barrigudo.
Nisso
chegou uma velha
que
vinha com todo o gás
e
disse para si mesma
depois
de ler o cartaz
"Hoje
eu tiro o prejuízo
com
esse lindo rapaz!".
Disse
a velha: "Francamente!
Eu
estou achando pouco!
Por
1 e 99?!
Tome
dois, nem quero o troco!
Deixe-me
levar pra casa
esse
meu Chico Cuoco!".
Saiu
a velha enxerida
de
braços com Damião
a
polícia prontamente
dispersou
a multidão
e
Côca tirou por fim
um
peso do coração.
Retornou
Côca feliz
pra
casa entoando hinos
a
partir daquele dia
teria
novos destinos...
Com
os dois reias da venda
comprou de pão pros meninos. FIM
DANTAS, Janduhi. A mulher que vendeu o marido
por R$ 1,99, 2005. Disponível em: <http://www.camarabrasileira.com/cordel48.htm>.
Acesso em: 01 dez. 2014.
Minha paixão, Literatura de Cordel, semana passada declamei para os alunos: "A mulher que dançou depois de Morta" uma belíssima experiência! consegui despertar, medo gargalhadas e até lágrimas...Sucesso à você comadre Josy nesta carreira!
ResponderExcluirObs: Conserta a ortografia do título: Ente versos (Entre versos..) Se estiver correto desconsidere minha observação!
Haha, obrigada, Emildis, e sim, um lapso: esqueci o "R".
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